Da velha torre caía,
Em seu camarim real
A bela Ausenda cosia.
Tela que estava cosendo
De fina prata parecia;
Junto dela, sua mãe
Em cama de ouro dormia...
Longo mantinho de lustro
Seu esbelto corpo envolvia,
Anel que tinha no dedo
Frechas de cor despedia.
Passos na escada se ouviram,
Passos de alguém que subia,
Ouvindo tal, a Princesa
A abrir a porta corria.
Ouvindo o gemer da porta,
A mãe os olhos abria,
Abriu-os mas não viu nada,
Que o candil já se morria.
— Quem é que anda abrindo portas,
Filha, aqui ao pé de mim?
— Senhora mãe, é o vento
Que abre as portas do jardim.
Segura com tal resposta,
Logo a mãe adormecia;
Vendo-a dormir, Dona Ausenda
À porta se dirigia.
A um gesto da bela Ausenda,
Um cavaleiro aparecia,
De cochonilha mimosa
Era o gibão que vestia.
Em belo cinto bordado
Punhal de prata trazia;
Nos braços do cavaleiro
Dona Ausenda se metia.
Ao barulho dos abraços,
A mãe os olhos abria,
Abriu-os mas não viu nada,
Que o candil já se morria.
— Quem é que está aos abraços,
Filha, aqui ao pé de mim?
— Senhora mãe, são as árvores
Que se abraçam no jardim.
Segura com tal resposta
,Logo a mãe adormecia;
Vendo-a a dormir, Dona Ausenda
Ao seu amado sorria,
Sorria e nos braços dele,
Nos seus braços se metia;
Forte corrente de beijos
Aquelas bocas prendia.
Ao barulho desses beijos,
A mãe os olhos abria,
Abriu-os mas não viu nada,
Que o candil já se morria.
— Quem é que está dando beijos,
Filha, aqui ao pé de mim?
— Não são beijos, são as fontes,
São as fontes do jardim.
Segura com tal resposta,
Logo a mãe adormecia...
Vendo-a a dormir, Dona Ausenda
Ao seu amado sorria,
Sorria e nos braços dele,
Nos seus braços se metia;
Era de seda lavrada
O corpete que a cingia.
Contra o peito, o cavaleiro
Contra o peito a comprimia,
Com tanta força que a seda
Do seu corpete rangia,
Com esse ranger de seda,
A mãe os olhos abria,
Abriu-os mas não viu nada,
Que o candil já se morria.
— Quem está machucando sedas,
Filha, aqui ao pé de mim?
— É o vento que arrasta folhas,
Folhas secas no jardim.
Segura com tal resposta,
Logo a mãe adormecia;
Vendo-a dormir, Dona Ausenda
Ao seu amado sorria,
Sorria e nos braços dele,
Nos seus braços se metia,
E aos beijos do seu amado
Seus lindos seios abria.
O cavaleiro os beijava
De tal arte que par'cia
Que os não estava beijando,
Antes que neles mordia.
Com esse morder de seios,
A mãe os olhos abria
Abriu-os mas não viu nada,
Que o candil já se morria.
— Quem anda mordendo seios,
Filha, aqui ao pé de mim?
— É o jardineiro que morde
Frutas verdes no jardim.
Eugénio de Andrade
Sem comentários:
Enviar um comentário